”Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada.” Mat.12,31
Alguém poderá duvidar da misericórdia de Deus? Claro que não.
Numa demonstração inefável de amor aos homens, Deus enviou seu Filho único para que, através d’Ele, o perdão ficasse disponível a todos. A salvação de Jesus Cristo é a maior prova, a mais cabal evidência de que “Deus é Amor” e que jamais despreza o que criou, pois se odiasse alguma coisa, não a teria criado.
E nós, que fomos criados à “imagem e semelhança” do Deus que é Amor, somos convidados também a amar, de forma incondicional, e se assim não fazemos, nos frustramos, pois não exercemos o motivo de nossa existência.
“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo!’ Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque Ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois, se vocês amam somente aqueles que os amam, que recompensa terão? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”(4). São palavras como estas que fez de Jesus a maior personalidade de todos os tempos: mostrou aos homens que Deus ama a todos independentemente de qualquer coisa; e nós, espelho desse Amor, devemos procurar refleti-lo nitidamente, pois para isso fomos feitos.
Contudo, uma curiosa passagem do Evangelho chama a atenção de quem conhece o Deus que é Amor Incondicional. Trata-se da fortíssima palavra de Jesus que é documentada por Mateus(5), Marcos e Lucas “Aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfêmias que proferirem; todavia, quem blasfemar contra o Espírito Santo, jamais terá perdão, mas será réu de pecado eterno”.
Duas perguntas nos surgem imediatamente: “Que pecado tão grave é este que não merece o perdão de Deus?” e “Deus, que é Amor, por causa deste pecado, esqueceria desse Amor para condenar eternamente o blasfemador do Espírito Santo?” Analisemos as questões.
a) que pecado é esse?
Antes de sua volta para o Pai, Jesus prometeu um novo Consolador, um Advogado. Trata-se do Espírito Santo que viria para apanhar aquilo que é de Jesus e interpretar para os seus discípulos, para assim convencer o mundo “quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo”.
Diante disso, nos ensina o Santo Padre João Paulo II que “a blasfêmia (contra o Espírito Santo) não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da cruz. Se o homem rejeita o deixar-se ‘convencer quanto ao pecado’, que provém do Espírito Santo e tem caráter salvífico, ele rejeita ao mesmo tempo a ‘vinda’ do Consolador: aquela ‘vinda’ que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do sangue de Cristo que ‘purifica a consciência das obras mortas’. Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito Santo e o sangue, permanece nas ‘obras mortas’, no pecado. E a ‘blasfêmia contra o Espírito Santo’ consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que ele é dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por ele operada na consciência (...) Ora, a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal – em qualquer pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no seu pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida”(10). Como Deus poderá perdoar alguém que não quer ser perdoado?
Para que o nosso entendimento ficasse mais claro acerca deste terrível pecado, o Papa São Pio X, que governou a Igreja de 1903 a 1914, no seu Catechismo Maggiore, ensinou que seis são os pecados contra o Espírito Santo:
1º - Desesperação da salvação, ou seja, quando a pessoa perde as esperanças na salvação de Deus, achando que sua vida já está perdida. Julga, assim, que a misericórdia de Deus é mesquinha e por isso não se preocupa em orientar sua vida para o bem. Perdeu as esperanças em Deus.
2º - Presunção de salvação sem merecimento, ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma vaidade egoísta, achando-se já salva, quando na verdade nada fez para que merecesse a salvação. Isso cria uma fácil acomodação a ponto da pessoa não se mover em nenhum aspecto para que melhore. Se já está salva para que melhorar? – pode perguntar-se. Assim, a pessoa torna-se seu próprio juiz, abandonando o Juízo Absoluto que pertence somente a Deus.
3º - Negar a verdade conhecida como tal, ou seja, quando a pessoa percebe que está errada, mas por uma questão meramente orgulhosa, não aceita: prefere persistir no erro do que reconhecer-se errada. Nega-se assim a Verdade que é o próprio Deus.
4º - Inveja da graça que Deus dá a outrem, ou seja, a inveja é um sentimento que consiste primeiramente em entristecer-se porque o outro conseguiu algo de bom, independentemente se eu já possua aquilo ou não. É o não querer que a pessoa fique bem. Ora, se eu me invejo da graça que Deus dá alguém, estou dizendo que aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o regulador do mundo, inclusive de Deus, determinando a quem deve ser dada tal ou tal coisa.
5º - Obstinação no pecado, ou seja, é a teimosia, a firmeza, a relutância de permanecer no erro por qualquer motivo. Como o Papa João Paulo II disse, é quando o homem “reivindica seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal – em qualquer pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção”.
6º - Impenitência final, ou seja, é o resultado de toda uma vida que rejeita a ação de Deus: persiste no erro até o final e recusa arrepender-se e penitenciar-se.
b) por causa disso Deus abandona seu amor para condenar a criatura?
Deus não condena ninguém. Ao contrário, “Deus não quer que ninguém se perca, mas que todos cheguem a se converter”(11).
No entanto, Deus não criou os seres humanos como irracionais, mas os criou à sua ‘imagem e semelhança”, que quer dizer: nos deu inteligência, para separar o bem do mal; liberdade, para escolher o bem ou o mal; e vontade, para vivenciar o bem ou o mal. A escolha é nossa, é de cada um.
Assim, vivemos a nossa vida direcionados pelos três pilares da imagem e semelhança de Deus: inteligência, liberdade e vontade, para que assim decidamos o que queremos trilhar. No fim da vida terrena, a morte confirmará a nossa decisão, dando-nos aquilo que escolhemos. Por isso, a conclusão torna-se óbvia: só está no inferno aqueles que realmente querem estar lá, aqueles que não querem a presença de Deus que ilumina suas imundícies.
Por outro lado, Deus, que “não quer que ninguém se perca”, continua a amar sua criatura, mesmo esta preferindo estar longe. Como já disse, o amor de Deus não impõe condições, assim, onde quer que a criatura esteja, Deus a amará sempre, embora respeitando aquilo que a faz ser uma pessoa: sua inteligência, sua liberdade e sua vontade.
Em suma: o pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição consciente da graça de Deus; é a recusa da salvação que, consequentemente, impede Deus de agir, pois Ele está à porta e bate(12), e a abre quem quiser. A persistência neste pecado, que é contra o Espírito Santo, pois este tem a missão de mostrar a Verdade, levará o pecador para longe de Deus, para onde ele escolheu estar. Apesar disso, o Senhor continuará a amá-lo com o mesmo amor de Pai que tem para com todos, porém respeitando a decisão de seu filho que é inteligente e livre.
_______________
(1) cf. 1Jo 4,8.
(2) cf. Sb11,24.
(3) cf. Gn 1,26.
(4) Mt 5,43-48.
(5) cf. Mt Mt 12,31s.
(6) cf. Mc 3,28-s.
(7) cf. Lc 12,10.
(8) cf. Jo 16,14.
(9) Jo 16,8.
(10) Carta Encíclica Dominum Vivificantem, 46.
(11) 2Pe 3,9.
(12) cf. Ap 3,20.
Nenhum comentário:
Postar um comentário