domingo, 5 de junho de 2016

O SUDÁRIO DE TURIN E DE OUVIEDO






O Santo Sudário de Turim e o Sudário de Oviedo “quase com inteira certeza envolveram o cadáver da mesma pessoa”, concluiu uma investigação que comparou as duas relíquias com base na Antropologia Forense e na Geometria.
O trabalho foi realizado pelo doutor em Belas Artes e professor de Escultura da Universidade de Sevilha, Juan Manuel Miñarro, no contexto de um projeto do Centro Español de Sindonología (CES) sediado em Valencia, Espanha.

O professor Juan Manuel Miñarro ganhou celebridade criando imagens de Cristo de acordo com o Santo Sudário
O estudo acresce aquilo que é afirmado há séculos pela tradição: que os dois tecidos pertenceram ao mesmo personagem histórico: Jesus de Nazaré.
Também confirma que o Santo Sudário teria sido o lençol funerário que envolveu o Corpo de Jesus quando Ele foi depositado no sepulcro, enquanto o Sudário de Oviedo seria o tecido que cobriu seu rosto na Cruz logo após morrer.
Os dois tecidos seriam aqueles que São Pedro e São João acharam no sepulcro logo após a Ressurreição, segundo narra o Evangelho de São João (20, 1-9):
1. No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro.
2. Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!
3. Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro.
4. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.
5. Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou.
6. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão.
7. Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte.
8. Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu.
9. Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.
O professor Miñarro esclarece que a investigação “não prova por si só que essa pessoa seja exatamente Jesus Cristo, mas sim aponta muito claramente que esse é o caminho para demonstrar completamente que o Santo Sudário e o Sudário de Oviedo envolveram a cabeça do mesmo cadáver”, segundo ele explicou à agência Paraula.
A investigação identificou um número de coincidências entre ambas as relíquias que “supera com abundância o mínimo de pontos significativos ou de provas exigidas pela maioria dos sistemas judiciais do mundo para a identificação de pessoas, que é entre oito e doze, enquanto a nossa análise descobriu mais de vinte”.


O professor Miñarro utilizou fotografias em tamanho real das duas relíquias e superpôs as imagens com a ajuda de raios laser, acetatos e um programa informático, seguindo um procedimento utilizado na investigação criminalista.
Sua investigação foi desenvolvida durante dois anos, apoiada em diversos estudos prévios do EDICES que o patrocinou, mas também em estudos de outros investigadores, como Giulio Ricci, considerado pioneiro na comparação entre o Santo Sudário de Turim e o Sudário de Oviedo.
O médico forense Alfonso Sánchez Hermosilla e o engenheiro Guillermo Heras, vice-presidente de Investigação do CES, acharam que, aproveitando as técnicas habituais da Criminalística, o professor Miñarro:
“pôde localizar os pontos craniométricos mais significativos nos dois lençóis, tarefa relativamente simples no caso do Santo Sudário de Turim, mas extremamente complexa no caso do Sudário de Oviedo. Isso lhe permitiu reconstituir as proporções antropométricas e craniométricas” dos dois”.
 




















quinta-feira, 2 de junho de 2016

O Poderoso nome de Jesus




 
 
A fé é a Vitória  ( 1 Jo. 5,4)
"E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho." (João 14,13)
"Tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de dar." (João 16.23b )
De acordo com estes versículos, temos o direito de pedir ao Pai a cura em Nome de Jesus Cristo e seremos curados. Se cremos na Palavra de Deus, podemos pedir, em Nome de Jesus, e receberemos o que pedimos. Isto é o que diz 1João 5,14 . Se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade - e, com certeza, a cura é Sua vontade para todos.
Se você está sofrendo enfermidades, tem o direito de pedir que o Pai o cure. Então, tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis (Mc 11,24).
Contudo, observe que devemos pedir no Nome de Jesus.
Há poder no Nome do Senhor Jesus Cristo.
Está escrito em Filipenses 2,9-10:
"Deus... deu-lhe um nome que é sobre todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, [anjos], e na terra [homens], e debaixo da terra [demônios]." (Filipenses 2,9-10)
Os seres de três mundos devem dobrar o joelho ao Nome de Jesus. Este Nome exerce controle absoluto sobre Satanás e todo o seu reino.
Pedro disse ao coxo: Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda; e o homem andou (At 3,6b).
Paulo disse a um demônio: Em nome de Jesus Cristo, te mando que saias dela; e a mulher insana foi perfeitamente restaurada
(At 16,18).
Jesus nos deixou Seu Nome. Este Nome habita conosco. Temos o direito de usá-lo. A Satanás é ordenado respeitar este Nome que é sobre todo o nome, e todo o seu reino tem de obedecer às nossas ordens, quando dadas em Nome de Jesus Cristo. (Veja Lc 10,17)
Lembre-se de que foi Jesus que venceu o pecado, Satanás, a doença, a morte, o inferno e o túmulo; e nós temos o direito legal de utilizar o Seu Nome.
Esse direito é seu. Peça-lhe e receberá saúde no precioso e poderoso Nome de Jesus.
Faça isso agora! Essa verdade opera agora - bem aí aonde você está!
Jesus nos deu a permissão de utilizarmos seu Nome em oração.
"E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei." (João 14,13-14)
E mais: Até agora, nada pedistes em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria se cumpra (Jo 16,24).
Podemos louvá-Lo grandemente pelo direito de usar Seu Nome em oração!
Se você precisa de cura, peça-a ao Pai, em Nome de Seu querido Filho, receba-a, e sua alegria se cumprirá.
Pedro, fiando-se na palavra de Jesus, disse ao coxo que necessitava de cura: Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda:
Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda; e o homem andou (At 3,6b).
Em Colossenses 3,17, aprendemos que: E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.
Em Efésios 5,20, aprendemos a dar sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Em 1 Coríntios 6.11, foi-lhes dito que haviam sido lavados, santificados e justificados em Nome do Senhor Jesus e pelo Espírito de Deus.
Em Hebreus 13,15, somos admoestados a oferecer sempre sacrifício de louvor... [ao] Seu nome.
Em Tiago 5,14, somos instruídos a ungir os enfermos com azeite no nome do Senhor.
E em 1 João 3,23, lemos que o seu mandamento é este: que creiamos no Nome de seu Filho Jesus Cristo.
"Se você tiver fé, Jesus disse: Nada vos será impossível" (Mt 17,20c).
"Ele disse: se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito" (Jo 15,7).
Disse também: Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei (Jo 14,14).
E novamente: "Por isso, vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis" (Mc 11,24).
Logo que você crer, Deus Se agradará em permitir que você veja, porque a fé é (...) a prova das coisas que se não vêem (Hb 11,1).

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Reflexões sobre as razões do sofrimento: por que existem a dor e o sofrimento neste mundo?






O sofrimento e o amor: dois modos de encarar a mesma dor


FAZ ALGUNS anos, no espaço de um mês, tomei conhecimento de dois casos muito parecidos, porém totalmente diferentes em seus efeitos: dois casos de pais que haviam perdido um filho adolescente de maneira repentina e trágica. Conversei longamente com o primeiro e, uns trinta dias mais tarde, com o outro. O primeiro afundara-se numa dor insuportável, que lhe abalou os alicerces da vida e lhe asfixiou a fé. Repetia depois, ao longo dos anos, num desabafo amargo e cheio de rancor, que a sua vida tinha perdido o sentido, que não sabia se Deus existia ou não, mas que não se importava, porque já o tinha apagado dos pensamentos e não queria saber mais dEle. Fechado na sua solidão desesperada, definhava e tornava difícil a existência dos que conviviam com ele. Sem a luz da fé, o homem fica abandonado ao turbilhão da vida, é como um cego golpeado por um mundo cruel e incompreensível, sem outra alternativa a não ser a revolta, a frieza, a resignação ou o desespero.

O segundo pai sofreu tanto como o primeiro. Perder um filho é uma das maiores dores da vida. Mas não permitiu que o sofrimento lhe vendasse os olhos nem se encapsulou na sua dor. No meio das lágrimas, fixou com força o olhar da alma em Cristo crucificado e, unido a Ele, rezou: “Pai, seja feita a vossa vontade”. Dentro do seu coração ele dizia: “Não entendo essa Tua vontade, Pai, mas eu creio em Ti, eu espero em Ti, eu Te amo acima de todas as coisas”.

No velório, ver esse pai – e a mãe igualmente, com o mesmo espírito - a rezar junto do corpo do filho, não causava constrangimento, mas comunicava uma serenidade superior a qualquer paz que se possa experimentar nesta terra, e elevava a todos para Deus, cuja presença era palpável. Era uma serenidade estranha e poderosa, misturada com uma dor muito forte, que ficava sendo um enigma para os frios e os descrentes. Era mesmo um lampejo da Sabedoria da Cruz, de que fala São Paulo (Cf. 1 Cor 1,18-25).


Entender e saber

Como este segundo pai, nós também muitas vezes não entendemos o sofrimento, e é natural. É difícil compreender a doença incurável, a incapacitação física, a ruína psicológica dos que amamos, o desastre econômico… Não entendemos, mas… sabemos, – com a certeza indestrutível da fé, - que Deus é Pai, que Deus é Amor (I Jo 4,8) e, portanto – como diz com cálido otimismo São Paulo, - nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas para o bem daqueles que o amam (Rom 8,28). Faz concorrer também, e muito especialmente, os sofrimentos que Ele mesmo nos envia, ou os que Ele permite, ainda que os não queira, porque causados pela maldade dos homens.

Então, essa nossa fé – Dom precioso de Deus que não queremos extinguir, – nos permite o paradoxo inefável de sofrer e ter paz, de sofrer e manter no íntimo da alma uma misteriosa e fortíssima serenidade, uma imorredoura esperança. Assim sofreu Cristo na Cruz e assim sofreram os santos. Os que se entregam nas mãos de Deus Pai sentem que a Cruz se lhes torna doce; – uma Cruz sem Cruz, - e os inunda de uma suavidade amável. Eles escutam e escutarão sempre as palavras de Cristo, que nos diz, na hora da dor: "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11,28-30). E chegarão a exclamar, como Santa Teresa de Ávila: “Ó Senhor, o Caminho da Cruz é o que reservais aos vossos amados!”


A dor que faz amadurecer

Num conto intitulado "O Espelho", João Guimarães Rosa descreve, simbolicamente, uma experiência que os místicos cristãos conhecem em profundidade. O protagonista da estória empreende a aventura de descobrir o seu verdadeiro rosto – o seu autêntico eu – num espelho-símbolo. Tenta olhar de tal modo que depure da sua figura tudo o que é superficial, animal, passional e espúrio, e acaba não vendo nada: “Eu não tinha formas, rosto?” Prosseguindo na experiência, só “mais tarde, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes”, quando “já amava – já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria”, é que começou a ver-se como o esboço inicial de um menino, que emergia do vazio, isto é, viu o seu rosto verdadeiro, que começava a nascer. No final da estória, o protagonista pergunta-se: “Você chegou a existir?”...

O escritor lembra-nos, com isso, que a pessoa que não sofreu não aprendeu a amar de verdade; e que a pessoa que não aprendeu a amar, não amadureceu; pode-se dizer que ainda não está “feita”, ainda não “existe”.

Nós…, existimos? Somos aquele que deveríamos ser, aquele que Deus espera de nós? A resposta – sim ou não - dependerá quase sempre de como sabemos sofrer. Tem muita razão o poeta que diz: “As pessoas que não conhecem a dor são como igrejas sem benzer”.

Deus nos faz com o sofrimento, modela-nos como um escultor, dá-nos a qualidade de um verdadeiro homem ou mulher, de um verdadeiro filho de Deus. A Cruz – poderíamos dizer - é a grande ferramenta formativa de Deus.

Três meses antes de morrer, São Josemaria Escrivá fazia um rápido balanço da sua vida, e resumia: “Um olhar para trás… Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E agora tudo alegrias, tudo alegrias… Porque temos a experiência de que a dor é o martelar do Artista, que quer fazer de cada um, dessa massa informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo, o alter Christus [o outro Cristo] que temos de ser”.

Essa visão essencialmente cristã é a que lhe inspirou sempre a pregação sobre a dor, baseada na sua própria experiência de alma enamorada de Deus: “Não te queixes, se sofres", escrevia ele. "Lapida-se a pedra que se estima, que tem valor. Dói-te? – Deixa-te lapidar, com agradecimento, porque Deus te tomou nas suas Mãos como um diamante… Não se trabalha assim um pedregulho vulgar”.

Deus sempre nos faz bem por meio da Cruz, seja qual for, quando nós o “deixamos” fazer. Assim como nos salvou pela Cruz, assim também nos aperfeiçoa e nos santifica por meio da Cruz. Não exclusivamente mediante a Cruz – também nos santificam as muitas alegrias, os trabalhos que amamos, os carinhos que nos enriquecem…– mas certamente não sem ela, a Cruz.


A dor que nos purifica: sofrimento redentor

A Cruz, o sofrimento, purifica-nos. O sofrimento abre-nos os olhos para panoramas de vida maiores, mais verdadeiros e mais belos. O sofrimento ajuda-nos a escalar os cumes do Amor a Deus e do Amor ao próximo.

São inúmeras as histórias de homens e de mulheres que, sacudidos pelo sofrimento, acordaram: adquiriram uma nova visão – que antes era impedida pela vaidade, a cobiça e as futilidades - e perceberam, com olhos mais puros, que o que vale a pena de verdade na vida é Deus que nunca morre, nem trai, nem quebra; descobriram que nEle se acha o verdadeiro Amor pelo qual todos ansiamos e que nenhuma outra coisa consegue satisfazer; entenderam que o que importa são os tesouros no Céu, que nem a traça rói nem os ladrões levam (Mat 6,20). E perceberam, enfim, que os outros também sofrem, e por isso decidiram esquecer-se de si mesmos e dedicar-se a aliviá-los e ajudá-los a bem sofrer.

É uma lição encorajadora verificar que, na vida de São Paulo, as tribulações se encadeavam umas às outras, sem parar, mas nunca o abatiam. É que ele não as via como um empecilho, mas como Graças de Deus e garantia de fecundidade, de modo que podia dizer de todo o coração: "Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo" (2 Cor 4,10). E ainda: "Sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo; porque quando me sinto fraco, então é que sou forte!" (2 Cor 12,10). E até mesmo, com entusiasmo: "Nós nos gloriamos das tribulações, pois sabemos que a tribulação produz a paciência; a paciência a virtude comprovada; a virtude comprovada, a esperança. E a esperança não desilude, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". (Rom 5,3-5). É o retrato perfeito da alma que se agiganta no sofrimento, que se deixa abençoar pela Cruz.


São João da Cruz

Outro exemplo muito significativo: uma perseguição injusta por parte de seus próprios confrades arrastou São João da Cruz a um cárcere imundo. Todos os dias era chicoteado e insultado. Mal comia. Suportava frios e calores estarrecedores. Para ler um livro de orações, tinha que erguer-se nas pontas dos pés sobre um banquinho e apanhar um filete de luz que se filtrava por um buraco do teto. Pois bem, foi nesses meses de prisão, num cubículo infecto, que ganhou o perfeito desprendimento, alcançou um grau indescritível de União com Deus e compôs, inundado de paz, a Noite escura da Alma e o Cântico Espiritual, obras que são consideradas dois dos cumes mais altos da Mística Cristã. E, uma vez acabada a terrível provação, quando se referia aos seus torturadores, chamava-os, com sincero agradecimento, “os meus benfeitores”...

As histórias de mulheres e de homens santos que se elevaram na dor poderiam multiplicar-se até o infinito: mães heróicas, mártires da caridade… Daria para encher uma biblioteca só a vida dos mártires do século XX, como São Maximiliano Kolbe, que na sua Cruz – na injustiça do campo de concentração nazista, nos tormentos e na morte – achou e soube dar o Amor e a vida com alegria.

Essas almas santas estão a escrever, no dizer de João Paulo II, “um grande capítulo do Evangelho do sofrimento, que se vai desenrolando ao longo da história. Escrevem-no todos aqueles que sofrem com Cristo, unindo os próprios sofrimentos humanos ao seu sofrimento salvífico…”

"No decorrer dos séculos e das gerações, tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular, que aproxima interiormente o homem de Cristo, uma Graça particular. A esta ficaram a dever a sua profunda conversão muitos santos como São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola. O fruto de semelhante conversão é não apenas o fato de que o homem descobre o sentido salvífico do sofrimento, mas sobretudo que no sofrimento ele se torna um homem totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual que, no homem, supera o corpo de uma maneira totalmente incomparável. Quando este corpo está gravemente doente, ou mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente como que incapaz de viver e agir, é então que se põem mais em evidência a sua maturidade interior e grandeza espiritual; e estas constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs e normais” (Papa João Paulo II em Salvifici Doloris, n. 26).


A dor que nos chama

Mas estamos falando dos mártires, dos grandes sofrimentos de alguns santos, e não devemos esquecer que também é a Cruz, a santa Cruz, cada uma das contrariedades, dores, doenças, injustiças e mil outros padecimentos menores, que Deus envia ou permite na nossa vida diária, para nos santificar.

Vai-nos ajudar a pensar nisso uma frase incisiva de São Josemaria, comentando a passagem da Paixão de Cristo em que os soldados obrigaram Simão Cireneu a carregar a Cruz de Jesus: “Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós”.

A maior parte das “cruzes” aparece-nos sem as termos procurado. São as moléstias físicas ou psíquicas; são os aborrecimentos que surgem no mundo do nosso trabalho; são as dificuldades e aflições econômicas, o desemprego, a insegurança… Ou então os sofrimentos que surgem no convívio habitual com a família: asperezas de caráter do marido ou da mulher, desgostos com os filhos, parentes desabusados ou intrometidos, indelicadezas, ofensas…

Todo tipo de sofrimento nos interpela. Que resposta lhe damos? Não poucas vezes, a nossa reação espontânea é a irritação, o protesto, a aflição, a tristeza, o desânimo, a queixa. Há corações que não sabem sofrer, ficam perdidos diante dos sofrimentos cotidianos, e sucumbem esmagados por “cruzes” que sentem como se fossem uma laje que os asfixia, quando Deus lhas oferece como asas para voar.

Deveriam lembrar-se do mau ladrão. Junto de Jesus crucificado, deixou-se arrastar pelo ódio à Cruz. Morreu contorcendo-se e espumando de raiva na sua cruz inútil. Pelo contrário, o bom ladrão soube descobrir na sua cruz uma escada que lhe serviu para chegar a Cristo e subir ao Céu (Cfr. Luc 23,39-43).

Não vale a pena contorcer-se e protestar. Assim, Deus não nos poderá lapidar. Sofreremos mais e inutilmente, e nenhum proveito tiraremos da dor. Qualquer sofrimento nos interpela, diremos. Também Cristo foi interpelado, na Cruz, por todo tipo de sofrimento, por cada um daqueles padecimentos com que o feriram os nossos pecados. E como respondeu? De cada ferida que recebia, brotava um ato de Amor e uma virtude. Esse é o exemplo para o qual devemos olhar.

Acusado com mentiras revoltantes, responde com mansidão. Provocado maldosamente, responde com o silêncio. A cada chicotada, a cada espinho que lhe fere a cabeça, a cada prego que lhe atravessa as mãos e os pés, responde com a paciência; a cada ofensa, responde com o perdão; a cada escarro, a cada bofetada, responde com a humildade; a cada bem que lhe tiram (sangue, pele, honra, roupas) responde dando Amor; à rejeição dos homens, responde entregando-se totalmente por eles.


A cruz que ensina a amar

Perante cada pequeno desaforo, Deus nos diz: "Por que não respondes com um silêncio paciente e humilde como o meu, sem ódio nem discussões? Se te custa aguentar o caráter daquela pessoa, por que não te esforças por viver melhor a compreensão e a desculpa amável? Quando alguém te ofende, por que - sem deixares de defender serenamente o que é justo - não te esforças por perdoar, como Deus te perdoa?”

E, assim, quando as dores físicas ou morais – os desgostos, as decepções, os fracassos, os fastios, o tédio, a solidão, a depressão…- nos acabrunham, a voz cálida de Cristo crucificado convida-nos a ser generosos e a subir um degrau na escada do Amor; a crescer na mansidão, na bondade e na grandeza de alma; a aumentar a confiança em Deus; a ser mais desprendidos de êxitos, bem-estar e posses materiais; sobretudo, a meter-nos mais decididamente na fogueira de Amor que é o Coração de Cristo, com desejos inflamados de corresponder, de desagravá-lo, de imitá-lo, de unirmo-nos ao seu Sacrifício Redentor. Todos esses sentimentos fazem grande bem à alma cristã.


A cruz que faz “co-redimir”

Há algumas palavras de São Paulo que encerram um grande mistério, que encerram uma Verdade sobrenatural muito profunda sobre a vida nova do cristão. São as seguintes: "Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja" (Coloss 1, 24).

A rigor, nada falta à Paixão de Cristo, pois o Sacrifício de Jesus mereceu infinitamente a Redenção de todos os crimes e pecados do mundo. Mas o Senhor quis que os cristãos, membros do seu Corpo Místico, “outros Cristos”, pudessem associar-se ao seu Sofrimento Redentor, unindo a Ele os seus próprios padecimentos.

Na Carta Apostólica já antes citada sobre o sentido cristão do sofrimento, o Papa João Paulo II desenvolve uma bela reflexão sobre esta verdade: “O Redentor sofreu em lugar do homem e em favor do homem. Todo homem tem a sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar daquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar daquele sofrimento por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível da Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, podem tornar-se participantes do sofrimento redentor de Cristo” (n. 19).

E, mais adiante, glosando a frase de São Paulo que agora meditamos, o Papa complementa essa reflexão: “O sofrimento de Cristo criou o bem da Redenção do mundo. Este bem é em si mesmo inexaurível e infinito. Ninguém lhe pode acrescentar coisa alguma. Ao mesmo tempo, porém, Cristo, no mistério da Igreja, que é o seu Corpo, em certo sentido abriu o próprio Sofrimento Redentor a todo o sofrimento humano. Na medida em que o homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo –em qualquer parte do mundo e em qualquer momento da história—tanto mais ele completa, a seu modo, aquele sofrimento, mediante o qual Cristo operou a Redenção do mundo” (n. 24).

Neste mundo em que, ao lado de tantas bênçãos de Deus, tantas almas sentem com força os ventos e tempestades do pecado, as almas generosas que sofrem com Amor, unidas ao Senhor, são como que “outros Cristos”, que contrabalançam com a sua “Cruz” o peso dos crimes do mundo. Tornados eles próprios uma só coisa com Cristo sofredor, são esses homens e mulheres bons – os santos, os mártires, os inocentes, os doentes, as crianças, os “humilhados e ofendidos”…- os que mantêm no mundo, como uma tocha acesa, a esperança da Salvação. Uma só mulher humilde que oferece, em sua cama de hospital, seus sofrimentos a Deus, faz mais pelo bem do mundo do que muitos dos que o governam.

É paradigmática a cena de São Francisco de Assis no Monte Alverne. Era a manhã de 14 de setembro de 1224, festa da Exaltação da Santa Cruz. Retirado nas solidões dos Apeninos, ele rezava ajoelhado diante de sua cela, antes de que raiasse a alva. Tinha as mãos elevadas e os braços estendidos, e pedia: “Ó Senhor Jesus, há duas graças que eu te pediria conceder-me antes de morrer. A primeira é esta: que na minha alma e no meu corpo, tanto quanto possível, eu possa sentir os sofrimentos que tu, meu doce Jesus, tiveste que sofrer na tua cruel Paixão! E o segundo favor que desejaria receber é o seguinte: que, tanto quanto possível, possa sentir em meu corpo esse amor desmedido em que tu ardias, tu, o Filho de Deus, e que te levou a querer sofrer tantas penas por nós, miseráveis pecadores”.

A oração foi ouvida. Um serafim, que trazia em si a imagem de um crucificado, imprimiu-lhe as chagas de Cristo nas mãos, nos pés e no lado. Francisco, até no corpo, tornou-se visivelmente um “outro Cristo”.

Ref.: FAUS, Francisco. A Sabedoria da Cruz, São Paulo: Quadrante, 2001.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Quem não é contra nós está a nosso favor?






Com a ajuda de Deus e sob a orientação da Igreja, tentaremos responder satisfatoriamente à questão, que não é nova. A pergunta pode parecer complexa, mas a resposta é bem simples. Antes de dizer qualquer coisa, é preciso repetir uma máxima primordial da Teologia católica: a primeira realidade que todo leitor da Bíblia deve ter em mente é que o Livro Sagrado só pode ser lido e entendido como um conjunto coeso, de livros que se completam e estão interligados, um dando sentido ao outro. Esta é uma premissa fundamental para a leitura das Sagradas Escrituras. – É muito, muito fácil legitimar qualquer tipo de falsa crença ou mesmo heresia anticristã usando a Bíblia. Basta pinçar uma passagem e usá-la isoladamente, fora do seu devido contexto: o texto, fora do seu contexto, pode servir como pretexto.
A passagem citada é um ótimo exemplo desta realidade. Ela vem sendo usada para justificar todo tipo de sincretismo e irenismo. O sincretismo, como você sabe, é a tentativa de misturar ou fundir crenças e sistemas religiosos diferentes, – e/ou até mesmo contrários, – na tentativa de fazer de tudo uma só coisa. O resultado é sempre o surgimento de um novo sistema de crenças: uma nova seita. E irenismo se refere àquela postura (tão comum em nossos dias) de calar diante de injustiças e mentiras em nome da paz e do respeito humano. Para "ficar bem" com todo mundo, a pessoa admite tudo, aceita tudo como certo, que tanto faz, porque no fundo "é tudo a mesma coisa"... Esquecendo-se que "para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada", como já dizia o filósofo (Edmund Burke).

Como dissemos, porém, a Bíblia precisa ser compreendida em sua totalidade, como aquilo que ela realmente é: um conjunto de livros que, em harmonia, transmitem uma só Mensagem, sem confusão, sem sombras, sem contradições. A Palavra de Deus não pode fazer uma afirmação numa parte, e, depois, renegar esta mesma afirmação numa outra parte. Estaria nosso Jesus afirmando, na passagem em questão, que "a religião da pessoa não importa", desde que acreditemos nEle ou falemos em nome dEle? Vejamos, então, o que a própria Bíblia tem a dizer sobre isto:

"De fato, não há dois Evangelhos: há apenas pessoas que semeiam a confusão entre vós e querem perturbar o Evangelho de Cristo. Mas ainda que alguém, nós ou um anjo baixado do céu, vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que seja anátema! Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!" (Gl 1,6-8)

Ninguém gosta de ouvir a palavra "excomungado" hoje em dia. A sensibilidade das mentes atuais vê neste vocábulo uma expressão de autoritarismo, de uma Igreja que tenta impor sua fé à força, na marra. Nestes tempos em que o relativismo reina, absoluto, falar em excomunhão é quase um crime. "Excomungar", porém, simplesmente quer dizer que aquela pessoa, que crê e defende uma doutrina contrária àquilo que Jesus ensinou, não não faz parte da Igreja que Jesus deixou; tal indivíduo não representa a Igreja, não pode ser considerado membro dessa Igreja.

E é assim que deve ser, por motivos óbvios! Se a Igreja não tivesse agido assim desde o começo da sua história, hoje nem haveria mais Evangelho: as crônicas sobre a vida e os ensinamentos do Cristo teriam sido perdidas há muito séculos; as palavras do Mestre haveriam naufragado num mar de doutrinas conflitantes, para nunca mais serem encontradas. E as heresias no meio da Igreja começaram a surgir, como sabemos, desde o tempo dos Apóstolos. Observe como o Apóstolo Paulo, na passagem que ora estudamos, demonstra que já naquela época existiam elementos tentando disseminar um "outro evangelho", em nome de Jesus Cristo, no meio da Igreja, e deixa mais do que claro que tais elementos não poderiam jamais ser considerados como membros da Igreja. A ênfase é tamanha que ele chega a dizer que mesmo um anjo do Céu, se anunciasse um evangelho diferente, deveria ser considerado anátema, isto é, solenemente reprovado, extirpado, afastado da convivência entre os cristãos!

Assim, retornando à afirmação de Jesus no Evangelho de S. Marcos, o que precisamos fazer é ler e analisar não uma parte da passagem, mas ela inteira:

"João disse-lhe: 'Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu Nome, e lho proibimos'. Jesus, porém, respondeu-lhe: 'Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu Nome e em seguida possa falar mal de Mim. Pois quem não é contra nós é a nosso favor. E quem vos der de beber um copo de água porque sois de Cristo, digo-vos em verdade: não perderá a sua recompensa. Mas todo aquele que fizer cair no pecado um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria que uma pedra de moinho lhe fosse ligada ao pescoço e o lançassem ao mar!'" (Mc 9,38-42)

Observe como o complemento do ensinamento, destacado em negrito, é fundamental para dar sentido e colocar as primeiras afirmações no seu devido contexto. O Senhor Jesus está claramente se referindo àqueles que, em unidade, professam a fé no seu Nome. Mas quem fizer cair em pecado os que creem em Cristo, – mesmo que fale em seu Nome, – será condenado. Também é essencial entender que, na época em que ocorre esse episódio, não existia ainda a Igreja. Alguém expulsava demônios por meio da fé no Nome do Senhor, e a fé em Cristo nunca é ruim, a não ser quando, em nome desta mesma fé, se deturpa aquilo que o próprio Cristo ensinou. E ainda no mesmo Evangelho, no capítulo 13, o Senhor profetiza que muitos falsos profetas viriam em seu Nome, e que os cristãos deveriam rechaçá-los. Fica claro, portanto, que não basta falar em Nome de Jesus para ser confiável ou para estar "a nosso favor".

Concluindo, não é difícil compreender que a afirmação de Cristo, neste caso, não é absoluta, isto é, não podemos considerar "a nosso favor" todo aquele que prega ou fala "em Nome de Jesus", pois nesse caso teríamos que incluir aí os ocultismos, gnosticismos, espiritismos e todo tipo de seita que deturpa completamente a Mensagem do próprio Cristo. De fato, são milhares de seitas perniciosas ao redor do mundo que se pretendem detentoras da "verdadeira" interpretação do Evangelho, e todas elas se contradizem entre si.

Estudando a história da Igreja, vemos que os cristãos católicos sempre se conduziram, fundamentalmente, pela instrução da Igreja Una, a única Igreja fundada diretamente pelo Senhor Jesus Cristo e que guarda a Tradição dos Apóstolos. E o que é a Bíblia Sagrada cristã? É a Tradição dos Apóstolos por escrito: nós só temos a Bíblia e cremos nela, hoje, porque a Igreja, nos primeiros séculos do cristianismo, atestou que deveríamos crer nela, e a separou de muitos outros livros apócrifos, que eram igualmente atribuídos aos Apóstolos e lidos solenemente nas comunidades primitivas da Igreja.

Por isso é que não podem existir muitas "igrejas", cada uma ensinando uma coisa, cada qual disputando contra a outra, baseando-se na interpretação pessoal que cada "pastor" faz da Bíblia. Observe que praticamente todas as igrejas ditas "evangélicas" são unânimes em criticar a Igreja Católica, muitas vezes chamando-a de "prostituta", apontando o Papa como "anticristo" e outras blasfêmias terríveis. Como poderíamos dizer, então, que existem "muitas igrejas", e que todas são iguais perante Deus? Jesus disse: "Sobre esta Pedra (Pedro) edifico a minha Igreja", – no singular, e não "minhas igrejas", no plural. – Só há uma Verdade, e a Bíblia reafirma: "Há um só Senhor, uma só Fé e um só Batismo" (Ef 4,4-5).

Não basta qualquer pessoa ler a Bíblia, interpretar "do seu jeito", se dizer "pastor" ou intitular-se a si mesmo "bispo" ou "apóstolo", registrar uma razão social, alugar um salão e dizer que é "igreja". Igreja não é prédio, não é empresa, não é uma razão social. A Igreja é o Corpo Místico de Jesus Cristo neste mundo (Ef 5,23), e este Corpo não se divide contra si mesmo. A Cabeça deste Corpo é o próprio Cristo, como a Bíblia mesmo ensina, e este Corpo é íntegro e coeso. Uma perna não pode andar para um lado, e outra perna para outro. Um pé não pode querer ir para frente e outro para trás. Os braços não podem golpear o corpo, e cada um dos seus órgãos precisa trabalhar numa harmonia perfeita, em conjunto, para que o Corpo seja saudável. – É a missão do cristão e uma aventura maravilhosa comprovar, a cada nova descoberta, que existe uma caminho certo que nos leva a Cristo e à salvação.

Diante do exposto até aqui, que dizer? Não existem pessoas bem intencionadas em outras comunidades ditas cristãs, que agem de boa consciência e que poderão ganhar a salvação por Misericórdia Divina?

A Igreja crê que existem elementos de santidade e verdade presentes em várias religiões (CIC§819), e isso é uma verdade inegável, da qual poderíamos enumerar muitíssimos exemplos: há alguns anos, o controverso "pastor" Silas Malafaia deu exemplo de postura cristã num debate com o candidato petista à prefeitura de São Paulo; falou como todo bom católico deveria falar; agiu, em relação a determinados assuntos, como deveriam agir os padres e bispos católicos, que muitas vezes são omissos em questões importantes. Antes disso, ele já tinha acertado ao confrontar Edir Macedo quanto à questão do aborto, e também ao defender a Igreja Católica por conta das imagens de santos profanadas na famigerada "parada gay" paulista. E veja bem, estamos falando do representante de um seita indubitavelmente herética, um homem que prega a abominável "teologia da prosperidade" e acusa a Igreja de Cristo de "idólatra".

Veja como é claro que, mesmo podendo dizer algumas verdades, não é por pregar "em Nome de Jesus" que tudo o que alguém diz ou faz esteja certo. Ao contrário: quando alguém se coloca como "mestre" ou "pastor", em Nome do Senhor, e ao mesmo tempo prega contra a Igreja deste mesmo Senhor, seu erro é tremendo. Mesmo assim, por outro lado, até na pregação de um herege podemos encontrar elementos de santidade e de verdade. Não há dúvida de que, em algumas de suas pregações, muitos "pastores" dizem grandes verdades, e que podem interpretar corretamente determinados pontos isolados das Escrituras. E também cremos que a salvação não está fechada para ninguém, até mesmo para os não cristãos, conforme orienta a Santa Igreja. O Catecismo afirma que aqueles que, sem ter opção, não puderam conhecer Jesus Cristo nesta vida, não serão condenados. É o que a Teologia chama de "ignorância invencível".

Mas nada disso muda o fato de que existem uma Só Verdade e uma só Igreja, Corpo Místico de Nosso Senhor, a qual contém em si mesma todas as verdades das quais necessitamos para a nossa salvação.

Concluindo, mais uma vez insistimos, prezado Gabriel, que a Bíblia precisa ser compreendida em sua totalidade. A fala de Jesus claramente alude à unidade que deve existir dentro da Igreja, entre os diferentes grupos, possuidores de diferentes carismas. Também a convivência pacífica e a busca da união entre os cristãos deve ser constante, – e a Igreja tem trabalhado incessantemente neste sentido, – mas é preciso saber reconhecer e diferenciar as coisas. Conviver bem não é sinônimo de sincretismo e nem de irenismo.

Na esperança de que a pergunta tenha sido respondida, e de que o nosso esforço não tenha sido em vão, na Paz de Nosso Senhor agradecemos pela participação e pela confiança em nosso apostolado. Deus abençoe e ilumine com discernimento a todos os que lerem este artigo.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Católico praticante" ?!








QUANDO, NUM encontro social, a conversa gira em torno de assuntos religiosos, é bem comum ver alguém declarar, com a maior naturalidade: “Sou católico não praticante”...
Interessante é que a maioria parece achar muito normal e lógica essa afirmação, que raramente é contestada. Dias depois, numa outra oportunidade, numa outra conversa, é possível que alguém volte a fazer a mesma afirmação, e todos continuam achando tudo muito normal e lógico. Entretanto, perguntamos nós, como poderia alguém “ser” e, ao mesmo tempo, não “praticar”? 
Essa ideia de que se pode acreditar na Igreja, – e mais além e mais importante, considerar-se membro desta Igreja, – sem colocar em prática a sua fé, infelizmente, é tão comum que já se tornou a mentalidade predominante em muitos ambientes.

A justificativa de tal comportamento varia de pessoa para pessoa: existem aqueles que deixaram de lado a prática religiosa devido à decepção com algum líder ou administrador de sua comunidade: talvez o padre tenha feito ou dito alguma coisa que aquela pessoa não gostou, e pronto: já é motivo para abandonar a Igreja de Jesus Cristo, a vida de oração comum, as práticas, o aprendizado, a convivência com os irmãos de fé, os Sacramentos, a Comunhão no Corpo do Senhor... Simplesmente viram as costas e vão-se embora, sem mais. 
Alguns outros, meio sem perceber, vão abandonando pouco a pouco a vida de fé: deixam de ir à Missa um dia, depois outro... Quando percebem, não estão  indo mais à igreja, nem aos domingos e dias de preceito. Depois, vão deixando de rezar com regularidade, deixando de ler a Bíblia Sagrada e, quando notam, já organizaram suas vidas de tal maneira que nelas não há mais espaço para Deus. Quando alguém pergunta sua religião, geralmente ainda se declaram católicos, mas realmente não se importam muito com isso.
Outros ainda possuem um conhecimento tão superficial de sua religião que, para eles, qualquer notícia ou acontecimento que não possam compreender já é motivo de escândalo: sem reflexão, sem pudor e sem amor, simplesmente renegam a fé. Quando alguém critica a Igreja, muitas vezes, essas pessoas ajudam a criticar, ao invés de tentarem defendê-la ou buscar a informação segura sobre a quele assunto específico. Lembram-se que existe a Igreja apenas em ocasiões específicas e esporádicas, como a celebração de um batizado, o casamento de algum parente ou a Missa de falecimento ou de sétimo dia de algum amigo querido. Para estes, é como se a Igreja fosse apenas um lugar para reuniões sociais, festivas ou tristes. É uma fé de aparência e nada mais.
Algumas pessoas também deixam a prática religiosa com o argumento de que não gostam de normas, ritos e cerimônias, que eles veem como elementos de uma religião ultrapassada, antiga e antiquada: preferem inventar a sua própria religião, para si mesmos, do “seu jeito”. Não querem saber de "dogmas", e gostam de dizê-lo, – embora, na realidade, não saibam exatamente o significado e o sentido dessa palavra... – Esquecem-se de que somos humanos, e não anjos elevados: os anjos não precisam de gestos, sinais e nem mesmo de palavras para se relacionar com Deus, pois são seres espirituais. Nós, ao contrário, precisamos destes recursos, ao menos como meios de comunicação.

†   †   †

A Fé nos torna participantes da Família de Deus e membros da Igreja, e é através dela que seguimos o Caminho da Salvação, que é Jesus Cristo. Nossa Família cristã, a Igreja do Senhor, tem uma história de dois milênios, riquíssimas tradições e belíssima Liturgia, que se refletem nas belas celebrações. Pode ser que algumas pessoas não as entendam, mas, antes de simplesmente ignorá-las, ou pior, criticá-las, seria mais inteligente procurar conhecê-las, entender as suas origens e significados e tentar conhecer os seus valores.

O principal, muitas vezes, é invisível aos olhos, mas se manifesta através do visível, do palpável, do sensível aos sentidos físicos. O próprio Cristo, mesmo sendo Deus, ao assumir natureza humana observou os ritos e respeitou as normas religiosas: foi batizado, passou noites em oração, foi ao Templo de Jerusalém, ia as sinagogas, lia as Escrituras...
É hipocrisia dizer que se tem fé e não demonstrá-la nos gestos, nas atitudes, nas posturas diante da vida, e também nas práticas religiosas. A fé e o modo de vida não vivem separados. A Bíblia é radical e diz, com toda a clareza, que a fé sem obras é morta (Tg 2,14-26).
Conta-se que certo empresário muito rico, mesmo sendo ateu, em viagem à Índia fez questão de ir conhecer Madre Teresa de Calcutá: ele tinha admiração pelo seu despojamento, coragem e obra. Chegando à casa das missionárias, onde Madre Teresa vivia, encontrou-a em meio a um mar de crianças miseráveis, muitas doentes, num quadro desolador. Viu uma velha senhora, que poderia estar descansando e aproveitando tranquilamente seus últimos anos de vida, sacrificando-se, literalmente, pelo bem do próximo.

Comovido, este homem aproximou-se e se apresentou, declarando sua admiração pela religiosa. Madre Teresa foi gentil, mas não deixou de fazer o seu trabalho. Os dois conversaram por alguns minutos, até que e o rico empresário, prestando atenção ao grande crucifixo pendurado ao pescoço de Madre Teresa, comentou: “Admiro muito o seu trabalho e o seu exemplo de vida, mesmo não acreditando neste símbolo que a senhora usa”.

Ouvindo isso, Madre Teresa respondeu: “Meu filho, tudo que eu sou e faço, todas as coisas pelas quais você me admira... É tudo por causa do que este símbolo representa. Se não fosse pela minha fé e amor a Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado, você nem saberia que eu existo!”...

Se você que lê este artigo tem uma "fé morna", que não se reflete concretamente na sua vida prática, lembre-se deste exemplo de Madre Teresa. É assim que os santos nos ajudam: talvez mais do que pedindo por nós a Deus, no Céu, pelo seu exemplo de vida.
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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Amor-caridade: o vínculo da perfeição cristã







“É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15,12)
O CATECISMO DA IGREJA Católica (CIC) diz, entre outras coisas, que “a caridade é a virtude pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§1822). É uma belíssima e própria definição, além de bastante completa.
Antes de tudo, é preciso definir o que significa a caridade no contexto genuinamente cristão. Esta caridade, da qual pretendemos tratar aqui, é a mesma coisa que Amor, – grafado assim, com inicial maiúscula, porque designa a forma mais alta de amor, justamente o Amor/caridade, – Amor com o qual o próprio Deus é identificado nas Sagradas Escrituras, como veremos mais adiante.

Ocorre, porém, que ao vocábulo "amor" se atribuem múltiplos significados na língua portuguesa. – Diga-se de passagem, é esta uma das palavras mais “maltratadas” de nossa língua pátria, usada muitas vezes para dizer daquilo que o Amor não é, e às vezes até para significar o seu oposto. – Amor, em português, pode significar afeição, compaixão, misericórdia, inclinação, atração, apetite, paixão, bem-querer, satisfação, desejo (sexual ou não) e até, muito indevidamente, o ato sexual em si.
O conceito mais popular de amor envolve, geralmente, o vínculo emocional com alguém ou com algum objeto. Fala-se em amor físico, platônico, materno/paterno, filial, à pátria, à casa, ao carro, à vida, a Deus. As dificuldades trazidas por essa diversidade de sentidos estão não só nos idiomas modernos, mas também no grego e no latim, que possuem outras palavras para amor, cada qual denotando um sentido específico (não nos aprofundaremos aqui nestes termos, suas raízes e seus significados, o que demandaria um estudo próprio).
Fato é que a linguagem humana não é capaz de exprimir integralmente a riqueza imensa que esta pequena palavra tenta significar. Santo Agostinho diz, a propósito, que precisamos saber decifrar a diferença entre amor e luxúria. Luxúria é vício e pecado; amar e ser amado é a busca essencial do ser humano. Diz ainda o Doutor da Igreja que a única Pessoa capaz de amar plenamente é Deus, pois o amor dos homens é falho, sujeito ao ciúme, desconfiança, medo, raiva.

A Igreja ensina que o Amor/caridade é uma Virtude Teologal. Segundo as Sagradas Escrituras, Virtudes Teologais são as que nos ligam diretamente a Deus, e são fundamentalmente três: a Fé, a Esperança e a Caridade; porém a maior é justamente a Caridade (1Cor 13,13). Quem ama se doa a si mesmo, gratuitamente; é incapaz de usar o próximo e de se autoafirmar. É manso, humilde, sereno, receptivo. No texto que é possivelmente o mais belo já escrito sobre o Amor/caridade, em sua primeira carta aos coríntios, S. Paulo Apóstolo diz:

Ainda que eu distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver Amor, de nada valeria.
O Amor é paciente, o Amor é bondoso. Não tem inveja. O Amor não é orgulhoso. Não é arrogante nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará; o Amor jamais acabará. (1Cor 16,3-8)
Também S. João Evangelista, – não sem razão “o discípulo a quem o Senhor amava”, – inspirado pelo Espírito Santo produziu linhas de incomparável beleza, nas Sagradas Escrituras, sobre o Amor; chegou, por fim, a identificar esta virtude, – a Virtude das virtudes, – ao próprio Deus (Jo 4,16). Jesus Cristo, Deus Filho, Verbo de Deus encarnado, é também o Amor de Deus encarnado; Amor em forma humana.
Por isso é que o Amor verdadeiro, aplicado nas relações conjugais, torna-as comunhão de entrega e de receptividade, de dádiva mútua do ser e de afirmação mútua da dignidade de cada parceiro. Esta comunhão homem-mulher, unidos sacramentalmente e por laços de Amor autêntico, é ícone da Vida do próprio Deus, e leva não apenas à satisfação, mas à santidade e a um sentimento de profunda realização.
Assim, a sexualidade, que é fonte de prazer, segundo a Doutrina católica não serve exclusivamente à função de procriar (como teimam em dizer certos inimigos da Igreja), mas também tem um papel importante na vida íntima conjugal. A relação sexual conjugal é expressão do Amor da Igreja, na qual homem e mulher se unem e se complementam reciprocamente.
Para diferenciar o Amor que é sinônimo de caridade dos outros sentidos que se emprestam à palavra, bastaria dizer que o Amor/caridade é a virtude cristã por excelência, porque Jesus Cristo fez da caridade seu novo e supremo Mandamento, amando-nos até o fim (Jo 13,1) e manifestando o Amor do Pai, que Ele próprio recebe: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. (...) Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 14,23;15, 9).
Fruto do Espírito e plenitude da Lei: para o cristão, simplesmente praticar a caridade, por si só, já garante o cumprimento de todos os Mandamentos divinos. Ora, é claro e evidente que aquele que ama acaba por cumprir, – naturalmente, – a Vontade de Deus: quem ama a seu pai e sua mãe vai honrá-los, não porque lhe é ordenado, mas por consequência natural e inevitável do amor que possui e cultiva dentro de si. Do mesmo modo, ninguém em sã consciência vai assassinar a pessoa que ama (se for verdadeiro amor), nem roubá-la, nem prestar falso testemunho contra ela, nem cobiçar seu cônjuge, nem os seus bens, etc. Assim é que a caridade é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3, 14) e a base das virtudes: é a fonte e o termo da prática cristã.
Agora que sabemos o que é o Amor/caridade, resta lembrar que o Cristo morreu por amor a cada um de nós, e o fez quando éramos ainda seus “inimigos” (Rm 5,10). Do mesmo modo, o Senhor espera que, como Ele, amemos incondicionalmente, a Deus e a todos, mesmo aos nossos inimigos. Ensinou que o nosso próximo pode ser qualquer um, especialmente aquele que menos esperamos, na parábola do bom samaritano (Lc 10,29ss). E diz que devemos nos fazer mais próximos dos mais afastados, e que amemos especialmente os sofredores e desamparados.
Por fim, fortalece nossa esperança saber que a caridade purifica a nossa capacidade humana natural de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do Amor divino. A caridade exige a prática do bem e a correção fraterna; é benevolente; é desinteressada e liberal. A consumação de todas as nossas obras é o Amor/caridade. É a origem e o fim, pois Deus mesmo é Amor/caridade: é para a conquista dEle que corremos; somente nEle descansaremos, como exclamou Sto. Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e nosso coração está inquieto e não descansará enquanto não repousar somente em Ti”.

sábado, 21 de maio de 2016

A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final





Para refletir sobre o fim da nossa vida neste mundo é conveniente lembrar primeiro da sua origem. “Deus criou o homem imortal, o fez à sua imagem e semelhança. Por inveja do demônio entrou no mundo a morte” (Sb 2, 23-24). Nós não fomos criados para a morte. Haviam no Paraíso duas árvores: a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida. A única proibição de Deus a Adão e Eva foi comer do fruto da primeira, e mesmo assim eles pecaram, afastando-se da Graça, perdendo sua condição especial de criaturas amadas e próximas de Deus. Foram, então, expulsos do Paraíso. Um dos significados mais profundos dessa narrativa é bem claro: a causa da morte é o pecado, que separa de Deus.

A morte é castigo, porém um castigo de Pai. Deus sendo infinitamente Bom e Misericordioso, fez até da justa punição um meio de nos reconduzir ao Caminho da vida. Mesmo hoje, no estágio atual da história da humanidade, nem mesmo aos que foram restaurados pelo Sacrifício de Cristo convém, ainda, a imortalidade. – Morreremos todos para este mundo, para alcançarmos um destino muitíssimo melhor do que esta vida repleta de limitações, decepções, misérias e dores.

É interessante notar que a morte, mesmo sendo o fim natural de todos os seres vivos, sempre nos causa estranhamento e sofrimento. Ficamos inconformados quando ela chega. Por quê? Se, como diz o provérbio popular, “a morte é a única certeza desta vida”, por que não somos capazes de encará-la com naturalidade e tranquilidade?

A resposta católica é: nós não nos conformamos com a morte porque fomos feitos para a imortalidade. Foi para a vida eterna que Deus nos fez, por isso não aceitamos o fim de tudo.



Exatamente por isso a fé é necessária. Precisamos da fé para ganhar a vida plena e eterna após a morte. O mais grave é que a maioria de nós prefere simplesmente deixar este assunto para depois, não pensar nisso agora: é como fingir que a realidade inevitável da morte não existe. Muito mais prudente  e sensato seria pensar no assunto, e muito, desde agora, porque nossa alma é imortal, e quando deixarmos este mundo, nossa história estará apenas começando...

O pó voltará a ser pó, mas a alma é incorruptível. E cada um de nós será julgado conforme suas obras. “A árvore para no lugar onde caiu” (Ecl 11,3). Por isso, é fundamental morrer em estado de Graça, morrer “revestido de Cristo”, em Comunhão com Deus. Tudo o mais é secundário. “Que adianta ao homem possuir o mundo inteiro e perder a própria alma?” (Mc 8, 36). Como não sabemos nem o dia nem a hora de nossa morte, o cristão está sempre preparado para ela.


Juízo Particular

“Está destinado aos homens morrer uma só vez, e depois disso vem o julgamento” (Hb 9, 27).

"É por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-Lhe. Porque teremos de comparecer diante do Tribunal de Cristo. Ali, cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo" (2Cor 5,9-10).

Todos serão julgados logo após a morte: este é o Juízo Particular, o julgamento individual de cada um. Entrando na Eternidade, todos se apresentarão diante do Rei dos reis, e nossas vestes deverão ser brancas (Mt 22,1s): em outras palavras, devemos nos purificar espiritualmente, viver bem, praticar a Vontade de Deus na caridade, para um dia morrer bem. Quem vive dessa maneira, e conscientemente, não se apavora com a ideia da morte. Em vez de tristeza ou medo, há confiança e amor. Mesmo nos piores sofrimentos, no fundo da alma do que crê permanece a esperança, que dá paz e alegria.

Já ao pecador inveterado, podemos perceber claramente que o inverso acontece: mesmo na saúde e na riqueza, gozando os prazeres do mundo, quando ele para de se entorpecer nas muitas sensações, sente o vazio profundo da sua vida, a ausência de Deus. Só há tédio, insatisfação, desespero, desânimo, depressão...
A felicidade, em plenitude, só se encontra no Céu, em Deus: está na contemplação e “posse” de Deus; contemplação e posse da Verdade, da Beleza e do Amor. Só em Deus seremos plenamente felizes e realizados. E para chegar ao Céu é preciso levar Deus dentro de si, desde agora, desde já.
O Juízo Universal
Além do juízo particular, que ocorre logo após a morte de cada um, há o Juízo Universal, que é o julgamento coletivo, que ocorrerá no fim dos tempos. O Antigo e o Novo Testamento falam do assunto. O capítulo 5 do Livro da Sabedoria é inteiramente dedicado ao Juízo Final.

Já o livro do Profeta Isaías (66, 18) diz:

“Virei recolher as tuas obras e os teus pensamentos e irei reuni-los com os de todas as gentes e línguas; e eles comparecerão, todos, e verão a minha Glória”.

Nos Atos dos Apóstolos (1,11) vê-se que, logo após a Ascensão, a volta de Jesus como Juiz foi anunciada por dois anjos. Os Apóstolos S. Mateus (cap. 24) e S. Lucas (cap. 21) falam longamente sobre o assunto.


No Juízo Final, o julgamento será definitivo. Depois, haverá o Céu ou o Inferno. Este mundo físico acabará. Quando e como, exatamente, será o fim do mundo, não sabemos. Jesus diz que nem os anjos o sabem. No último dia, haverá a ressurreição da carne: os justos ressuscitarão gloriosos, semelhantes ao Cristo ressuscitado. Para estes, a morte será o encontro com o melhor de todos os pais: o Pai do Céu. E tudo o que foi encoberto será conhecido; a verdade será revelada a todos. Será a hora da perfeita reabilitação dos caluniados, dos difamados, dos injustiçados, dos sofredores. Os que tem fome e sede de Justiça serão saciados.
Muitos teólogos entendem que o desdobramento do Julgamento divino em Juízo Particular e Juízo Final ou Universal deve-se ao fato de nós, seres humanos, pensarmos em termos de sucessão cronológica: um morre hoje, outro amanhã... Mas para Deus, da perspectiva do Eterno, existe um só momento: a Eternidade. Sendo Deus eterno, para Ele não há hoje e amanhã; Deus é o eterno Eu Sou: tudo o que realmente existe é um só momento, que não tem princípio nem terá fim.

O Juízo Particular e o Universal, a partir desta perspectiva, seriam, de um modo que não podemos agora compreender, uma só coisa: uma mesma realidade vista a partir da eternidade, e não a partir da sucessão cronológica das vidas humanas à qual estamos habituados e  presos.
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quinta-feira, 19 de maio de 2016

Pecado mortal e pecado venial







MUITOS LEITORES nos pedem orientações com relação aos significados dos termos pecado mortal e pecado venial, via de regra solicitando listas dos referidos pecados, – uma relação que especifique quais são os mortais e quais os veniais, elencando um por um. Alguns dão a nítida impressão de querer saber se determinados pecados são veniais simplesmente para que possam continuar a praticá-los, sem medo de perder a alma no inferno...

Entendemos que muito mais importante e bem mais útil do que listar e classificar os atos pecaminosos, um por um (até porque esta seria uma tarefa mais que complexa e incerta) é esclarecer o que define os pecados como mortais ou veniais. Nesta matéria, o realmente fundamental é saber discerni-los com clareza, já que àqueles que sabem discerni-los a partir daquilo que os define, fica de uma vez por todas esclarecida a questão.

Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC), o pecado é, entre outras coisas, uma falta contra a razão, contra a verdade e contra a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a algum bem, colocado antes ou à frente do próprio Deus, que é nosso Sumo Bem. O pecado fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana, seja por pensamento, palavra, ato, omissão ou desejo contrário à Lei divina (cf. CIC §1849).

Essa descrição do pecado talvez pareça dura para alguns, especialmente os mais jovens. Será que até pensar pode ser pecado? E como é que somente desejar alguma coisa é pecado? Quem é capaz de dominar completamente os desejos ocultos de seu próprio coração? São perguntas válidas. Para respondê-las, antes de tudo, é preciso entender que o pecado, para ser vencido, precisa ser identificado e combatido já na sua raiz. Nosso Senhor Jesus Cristo diz:

"Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não cometerás adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, pois te é preferível que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno." (Mt 5, 27-29)

A Lei mandava não adulterar. Este seria um pecado mortal. Mas vem Jesus, que consumou a Lei, e diz que apenas olhar com cobiça uma mulher já é pecado. Ora, cremos plenamente que Jesus veio para nos libertar, para nos livrar de um jugo pesado, para substituir a dureza da Lei pela suavidade da Graça e nos levar a trocar o caminho do medo pelo Caminho do Amor. Ele próprio assim declarou, em diversas passagens, e toda a Tradição cristã, juntamente com a Sagrada Escritura, continuamente o confirma; mas em certos momentos parece ficar a impressão de que as coisas ficaram mais difíceis, já que a exigência aumentou. Será mesmo?

Ocorre que, a partir de Jesus Cristo, ser fiel a Deus e ganhar a Graça Divina deixou de depender de se observar uma coleção de preceitos, como muitos legalistas erradamente entendiam nos tempos do Antigo Testamento. Não se trata de carregar uma lista do que "pode" e do que "não pode" debaixo do braço. A partir da vinda e do Sacrifício do Filho de Deus, não basta mais a observância externa, ritualista, superficial. Nos novos tempos, da Nova e Eterna Aliança, é necessário aderir ao Evangelho de todo o coração e alma, – o que requer conversão total de vida.



Conversão é uma mudança radical de direção. Metaforicamente falando, é uma virada de 180 graus. Se vínhamos avançando em determinado sentido, agora é preciso dar meia volta e caminhar no sentido oposto. Uma tal adesão, de todo coração, de todo entendimento e de toda a alma, não pode ser superficial. É preciso amar de fato a Deus sobre todas as coisas, e, assim, o próximo como a si mesmo. E quem ama a Deus mais do que tudo não tem como amar o pecado, que ofende a Deus e nos afasta dEle. – Por isso é que não só o adultério é pecado, mas também o querer adulterar, o pensar, imaginar, sonhar com isso. Quem está verdadeiramente bem decidido e mantém os pés firmes no Caminho (Cristo) não se distrai olhando para trás, menos ainda alimenta desejos secretos de caminhar na direção contrária.

Ser verdadeiramente cristão, portanto, é algo completamente diferente de ser adepto de qualquer religião legalista e/ou superficial, que simplesmente observa frios rituais vazios e vive de falsas aparências. Ser cristão de fato é, em uma palavra, ser honesto. É ser autêntico. Ou se é cristão de verdade ou se é uma caricatura de cristão (algo que, aliás, infelizmente, é o tipo mais comum).

Falando então do modo mais resumido possível, o pecado é uma ação contrária ao Amor de Deus, – por uma escolha, uma decisão livre do indivíduo. – Assim como o ser humano é livre para amar, obedecer e praticar o bem, também é livre para odiar e desobedecer, e desobedecer até até às últimas consequências. Até a morte eterna. É isso que o mesmo Catecismo chama de liberdade ou "possibilidade radical" do ser humano. A liberdade de escolha que Deus dá ao homem é ilimitada. Cabe-nos o poder da escolha, para o bem ou para o mal.

"Os Céus e a Terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua Voz e unindo-te a Ele; pois Ele é a tua vida." (Dt 30,19-20)
É sabido também que existe uma grande variedade de pecados e, apesar de todos afastarem de Deus, estão separados em diferentes graus. A Sagrada Escritura traz várias listas e descrições. São Paulo Apóstolo, por exemplo, na Carta aos Gálatas fala das "obras da carne manifestas, as quais são: a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as bebedeiras, as orgias e coisas semelhantes a estas" (5,19-21).
É deste modo que os pecados cometidos pelos homens, conforme a sua gravidade, são divididos em mortais ou veniais. Por pecado venial entende-se aquele ato que não separa o homem totalmente de Deus, mas que fere a Comunhão com o Criador. Já o pecado mortal, por sua vez, atenta mais gravemente contra o Amor de Deus, desviando o ser humano de sua finalidade última e da Bem-aventurança, excluindo-o do estado de graça.

Ensina o Catecismo:
"É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado. (...) A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que um roubo. (...) Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total consentimento. Pressupõe o conhecimento do caráter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal.
A ignorância simulada e o endurecimento do coração (97) não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário do pecado. (...) O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus." (CIC §1857 - §1861)

O pecado mortal, portanto, só acontece quando o indivíduo comete um delito contra Deus consciente dos requisitos descritos acima, e não somente pela matéria grave, isto é, a gravidade do ato em si. Uma pessoa sem formação moral e intelectual adequada, e sem condições de adquiri-la, que pratica uma ação pecaminosa, pode ser isenta de culpa por se enquadrar no caso da chamada ignorância invencível.

Por outro lado, existe também a ignorância afetada, quando a pessoa tinha condições de conhecer a verdade, mas por interesse próprio, simplesmente para poder pecar, preferiu não conhecê-la. Neste caso, o indivíduo peca ainda mais gravemente.
Na prática, quais os efeitos do pecado mortal sobre a pessoa que o comete? Como visto, a exclusão do Reino de Deus e a morte eterna no inferno, já que a nossa liberdade é radical: temos até mesmo o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. – Após esta vida entraremos na eternidade, libertos do fator tempo; no estado em que deixarmos este mundo, permaneceremos, em estado de graça ou não, – unidos a Deus ou aos seus inimigos, numa realidade em que não há ontem nem haverá amanhã. Estaremos plena e perenemente com Deus ou separados dEle, sem tempo, sem mudança, sem variações.


Johann Heinrich Füssli, "O pecado seguido da morte" (1794-1796)

E quanto aos pecados veniais? Seriam estes inofensivos, desprezíveis? Muitos entendem que apenas os pecados mortais devem ser prevenidos, evitados e confessados, imaginando que os pecados veniais não seriam importantes e/ou seriam perdoados "automaticamente". Esta linha de pensamento não corresponde à realidade, pois um pecado mortal muitas vezes é gerado por uma quantidade de pecados veniais cometidos antes. O pecado venial, embora pareça sem importância, é um passo que conduz ao abismo. Diz o livro do Eclesiástico: “Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá” (19,1). Aquele que, despreocupadamente, se entrega à prática dos pecados veniais, despreza as coisas pequenas. Pouco a pouco se dispõe a cair totalmente, até naufragar de vez nas águas pútridas e fétidas do pecado mortal.

Um após outro, os pecados veniais levam o indivíduo ao abismo, que é o rompimento da amizade com Deus. Para explicar melhor como se dá a ação dos pecados veniais, o Catecismo cita Santo Agostinho :
"O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses pecados que chamamos leves, não os consideres insignificantes; se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los! Um grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então a nossa esperança? Antes de tudo, a Confissão... [Sto. Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982]" (CIC §1863)

Portanto, para evitar o rompimento da amizade com Deus, ou seja, evitar cometer um pecado grave, é preciso combater os chamados pecados veniais, os quais são passos em direção ao abismo. E muitos passos juntos percorrem quilômetros. Nesse sentido, o Sacramento da Confissão é o único remédio eficaz, que pode refrear essa triste caminhada ou íngreme descida, rumo ao abismo definitivo que chamamos Inferno.


Com pequenos passos, um após o outro,
percorre-se um longo caminho

Uma reflexão final: porque é tão difícil combater o inimigo de todos nós, o inimigo da vida e da humanidade, Satanás, com seus anjos? Se queremos seguir o Caminho, que é Jesus, e sermos fiéis a Deus, vivendo uma vida de bem-aventuranças e alcançarmos por fim a vida eterna, por que voltamos sempre a tropeçar, e nossos passos se desviam? A resposta é simples: é assim porque os demônios nos atacam com uma arma terrível e formidável: o prazer. Sim. Via de regra, o pecado é prazeroso, e se não fosse não seria tão perigoso.

Façamos uma brevíssima análise dos pecados capitais: gula; luxúria; avareza; ira; inveja; preguiça; orgulho ou soberba. Todos eles capturam a pessoa humana, direta ou indiretamente, pelo prazer, – seja o prazer de comer e beber (gula); o prazer desordenado do sexo (luxúria); o apego ao dinheiro e, consequentemente, aos inúmeros prazeres que nos pode proporcionar, inclusive o prazer de ter poder (avareza); seja na inveja do nosso próximo, que tem ou vive uma situação mais prazerosa que a nossa; na ira que invariavelmente explode quando algo ou alguém nos submete a uma situação de privação de prazer ou prazeres; seja a delícia de não fazer nada, sem ter nenhum compromisso (preguiça) ou a satisfação egoísta de se sentir superior ao próximo (orgulho).

O prazer escraviza. Uma vida em pecado é uma vida de escravidão. Uma velha canção popular perguntava: "Será que tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda?". – Quanto mais escravizados, mais forte a sensação de "não posso fazer nada do que gosto". – Quanto mais nos tornamos realmente livres, porém, mais compreendemos o verdadeiro significado da palavra liberdade, tão distante de libertinagem.
"O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a raiz." (CIC §1865)

Entregar-se ao pecado é verdadeiramente o completo oposto de ser verdadeiramente livre. – O prazer do pecado parece bom por um momento, mas dura pouco e, depois que acaba, o pecador continua, por um lado, o mesmo, e por outro, ainda pior: continua vazio, e um pouco mais escravo.

Claro que uma vida sem pecado não precisa ser, necessariamente, uma vida completamente destituída dos prazeres deste mundo. Não somos máquinas, e nossas mentes e almas precisam de descanso. Pequenos prazeres e distrações, de vez em quando, são sem dúvida benéficos. Somos, sim, livres, e tudo nos é permitido, dentro daquilo que nos convém enquanto cristãos. "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma" (1Cor 6,12). – A grande arte da alma livre é, justamente, aprender a não se deixar dominar por nada e nem por ninguém, porque deve obediência somente a Deus.

Consta que certa vez um penitente perguntou ao santo Padre Pio de Pietrelcina como distinguir uma tentação de um pecado, e como se pode estar certo de que não pecou. Padre Pio sorriu e respondeu: "Como se distingue um burro de um homem? O burro tem de ser conduzido; o homem conduz a si próprio".
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terça-feira, 17 de maio de 2016

Após visão do inferno, atriz alemã desiste da carreira e se torna eremita






O NOVO LIVRO do jornalista Antonio Socci, intitulado Avventurieri dell'eterno (Rizzoli, 2015), apresenta aos leitores o incrível testemunho de Katja Giammona (foto). Uma história que, – assegura o autor, – "tocará o fundo de sua alma".

A entrevista da ex-atriz foi dada com a permissão específica de seu pai espiritual. Para ela, de fato, "retirada do mundo com toda a sua vaidade", os contatos com o mundo externo são agora extremamente reduzidos, quase inexistentes. A disponibilidade para a entrevista foi dada via e-mail e telefone. Benedita, – como hoje se chama, na vida religiosa, – só concordou em falar porque sabe que "o seu testemunho pode ajudar a muitos".

Nascida em Wolfsburg, na Alemanha, a 11 de julho de 1975, em uma família de "testemunhas de 'Jeová'", Katja foi ensinada desde a infância a ler a Bíblia e acompanhar os pais em suas crenças. Mas, ainda no começo de sua adolescência, – graças a uma amiga católica e à ajuda de um pastor protestante, – a jovem sentiu o desejo de levar à perfeição o seu batismo, entrando plenamente na Igreja Católica (o batismo das 'testemunhas de Jeová', recorda Katja, não é considerado válido pela Igreja, porque não é ministrado em nome da Trindade).

Nos anos 90, Katja trabalhou na televisão e no cinema, realizando o sonho de tornar-se uma atriz famosa, na Alemanha e/ou na Itália. Sua carreira, todavia, foi definitivamente interrompida porque, como ela mesma explica, "Cristo me queria para Si, e que eu vivesse e trabalhasse somente para Ele, e não fazendo carreira para a TV – e para o inferno(!)".

Em fevereiro de 2002, estando em Berlim para o Festival Internacional de Cinema, aconteceu algo que mudou radicalmente a sua vida. Em visita à casa de alguns amigos, ela caiu num sono profundo, talvez por um desmaio ou pelo cansaço, indo parar em um pequeno quarto escuro. Naquele lugar, ela viu em torno de si muitas chamas que se elevavam do chão e começou a correr desesperadamente, sem achar uma saída.

Foi uma experiência real e impactante do inferno, a qual, embora tenha durado alguns momentos, pareceu-lhe uma eternidade. Ali, Katja encontrou um demônio disfarçado de jovem, que ria dela, dizendo: "Pode correr, mas daqui você não sai". Mesmo com o corpo intacto, ela sentia dores de queimaduras, um "sofrimento terrível", durante o qual ela chegou a pensar que iria morrer:

Eram sobretudo os pecados contra a castidade que me tinham levado à perdição. (...) O demônio ria do fato de que a minha alma, que procurava o verdadeiro Amor, que é Cristo, tinha sido afastada do caminho do seu Reino. Ele me mostrou os rapazes que passaram pela minha vida, ainda que apenas através de uma paquera ou de um pensamento. O nosso Bom Senhor Jesus nos ensina, no Evangelho, que é possível pecar só com um olhar ou um pensamento (cf. Mt 5,28). O ser humano quase sempre se esquece disso."

"Sim, porque não entendemos quão loucamente somos amados por Deus", – prossegue Katja, – "com um Amor infinitamente maior que o de qualquer ser humano. Se considerássemos apenas isso, não poderíamos julgar insignificante 'um pensamento'". Um outro fato também ficou profundamente gravado em sua memória:

Esses homens, meus amigos, que caminhavam nas chamas, permaneciam ali. O demônio me disse que era ele quem tinha me seduzido através deles. Tinham sido usados por ele. Também notei que havia um ou outro que não ficava naquelas chamas. Isso significava que eles não estavam no inferno, talvez tivessem se confessado dos seus pecados. Mas aqueles outros permaneciam ali. Compreendi que eles já estavam no fogo e, depois, foram enviados a mim para atirar-me nas chamas. O demônio usa especialmente aqueles que já estão em pecado mortal para atirar outras almas no abismo."

Em dado momento, através de uma fenda "aberta" naquele quarto, Katja viu a sua mãe. Convertida à fé católica há alguns anos, ela cultivava o piedoso costume de se levantar à noite para rezar a Coroa de Santa Brígida1. O relógio da sala marcava três horas da madrugada e, enquanto sua mãe rezava, Katja suplicava-lhe ardentemente por oração (já que ela 'não podia rezar a Deus por si mesma', no estado em que se encontrava): "Mamma, prega per me! Ti scongiuro, prega per me!" – "Mamãe, reza por mim! Eu te imploro, reza por mim!".

Benedita conta que, depois de abandonar a seita das "testemunhas de 'Jeová'", sua mãe tornou-se uma alma de muita penitência, tendo feito jejuns e vigílias por longos sete anos, até que Deus acolhesse a oferta dela pela sua conversão. Ela também lamenta o fato de que tantas pessoas ignorem ou se esqueçam de rezar pela conversão dos pecadores. "O Senhor me revelou", – ela afirma, – "que, quando Ele salva uma alma, não o faz porque essa pessoa é especial, mas por pura misericórdia. Ele se comove com a oração, com os sacrifícios e com as lágrimas daqueles que imploram misericórdia e salvação para uma alma".

Assim, enquanto estava no inferno, a mãe de Katja não a escutava, mas, mesmo assim, rezava pela filha, como sempre fazia, com devoção e amor maternais, – uma oração que a própria filha recusava, porque, como ela conta: "Para mim eram orações de fanáticos que, em vez de fazer bem, traziam má sorte". Presa naquele lugar infernal, porém, ela afinal entendeu que não ter ninguém para rezar por ela era "uma verdadeira punição".

Subitamente, ela viu-se cair novamente em si, e se encontrou de novo em sua cama, imóvel, pálida, e com os lábios "ligeiramente azulados". Seus amigos estavam ali, espantados, enquanto ela tentava em vão pronunciar alguma palavra, – experiência típica de quem acorda de um coma, comenta Socci. – O que aos presentes pareceu um terrível pesadelo, para Katja representou muitíssimo mais: foi a experiência do inferno, que lhe mostrou a contradição de sua vida: enquanto se dizia católica, vivia afundada no pecado.


atriz Katja Giammona interpretando um de seus papéis

A atriz até então acreditava que o pecado não era algo tão sério, e dava de ombros para a voz de sua consciência: "Eu era uma pecadora que sequer me dava conta da própria condição. Porque o mundo nos repete insistentemente que pecados não existem". Mesmo se declarando católica "no papel", a atriz vivia com seu namorado, ignorando a gravidade do seu pecado e até considerando o seu sentimento de culpa como reflexo de um "fanatismo" herdado da religião. A partir daquela noite, ela sentiu a exigência de uma mudança radical na própria vida: terminou o seu relacionamento e fez uma peregrinação a Medjugorje, juntamente com sua mãe, com o propósito sincero de consagrar a sua vida ao serviço do Senhor.

Entre as várias formas de vida consagrada, Katja sentiu que sua vocação particular era o deserto. Depois de uma experiência na África, no deserto geográfico, entendeu que o verdadeiro deserto que Deus lhe havia preparado era aquele da alma. A essa altura, decidiu se aposentar, "como Maria Madalena aos pés de Jesus", abraçando a vida eremítica e tomando para si o nome religioso de Benedita.

Foi assim que Katja abandonou definitivamente sua antiga vida para colocar-se aos pés do Senhor, – a exemplo de São Bento, Santo Arsênio e Santo Antão, os quais têm em comum o fato de "terem confiado em Cristo e se entregado completamente a Ele", sem pretensões, sem procurar títulos, riquezas ou fama, abrindo mão do dinheiro, dos projetos mundanos e mesmo dos relacionamentos humanos, mas vivendo "dia após dia a Vontade divina".

Sua vocação, Katja diz tê-la aprendido de sua experiência pessoal: a primeira vocação é o Batismo, mas, depois, "deve-se estar pronto a deixar tudo e todos, se Cristo chama, como chamou o jovem rico":

A mim, depois de sete anos de sacrifício e oração por parte de minha mãe, foi dada a graça de compreender que não basta ser batizada e ser católica 'no papel'. Descobri que Deus é católico, que a sua Igreja é a nossa querida Mãe, que devemos praticar a fé, que devemos observar os Mandamentos e que o inferno existe!"

"Deus nos conhece e conhece a nossa vocação", ela diz, e isso não é uma "coisa da cabeça ou do próprio gosto, mas algo sobrenatural". É o Espírito Santo que guia, não a razão ou os cálculos humanos. "Não tenhamos a pretensão de entender tudo de Deus. Não devemos entender, mas amar".

Ao fim da entrevista, Benedita lança um apelo: "Aventurar-se com Cristo, acreditem em mim, vale a pena. Abram as portas dos seus corações a Cristo e Ele se revelará a vocês em todo o seu esplendor!".

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1. A Coroa ou Rosário de Santa Brígida se compõe de seis dezenas de Aves-Maria, precedidas cada uma de um Pai-Nosso e seguidas de um Credo, o que faz ao todo (contando-se o Pai-Nosso e as três Aves-Maria da cruz, sessenta e três Aves-Maria e sete Pai-Nossos. Chama-se Coroa ou Rosário de Santa Brígida porque esta santa o concebeu e o deu a conhecer com o objetivo de honrar os sessenta e três anos que, segundo a opinião comum, viveu a Santíssima Virgem sobre a Terra, suas sete alegrias e suas sete dores. Deve-se observar que, embora o rosário de Santa Brígida se componha de seis dezenas, podem-se ganhar as indulgências que lhe são concedidas rezando apenas cinco, e também rezando as quinze dezenas do rosário comum. (Arquivo da Secretaria da Sagrada Congregação de Indulgências, tomo VI, pág. 144).
Saiba mais.
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Fontes e ref.:
Aleteia, disp. em:
http://it.aleteia.org/2015/09/08/katja-giammona-dal-grande-schermo-al-piccolo-eremo-passando-per-linferno/
Acesso 20/10/015

• Katholischer Nachrichtendienst, disp. em: 
http://www.kath.net/news/16884,
Acesso 20/10/015
• Blog Padre Paulo Ricardo, disp. em
https://padrepauloricardo.org/blog/apos-ver-o-inferno-atriz-alema-desiste-da-carreira-para-se-tornar-eremita#at_pco=smlwn-1.0&at_si=56278d0f30b841d8&at_ab=per-13&at_pos=0&at_tot=1
Acesso 20/10/015

www.ofielcatolico.com.br